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Jovem Cientista | Após quase perder os movimentos do lado direito do corpo, ex-gerente de RH muda de carreira e vira cientista do Butantan

Cristiane Lima decidiu mudar de área de atuação aos 33 anos e começou a nova carreira de pesquisadora durante a pandemia de Covid


Publicado em: 09/02/2023

Depois de mais de 10 anos consolidando uma trajetória em Recursos Humanos, a paulista Cristiane Ferreira Graça de Lima, decidiu mudar o rumo profissional aos 33 e cursar Biomedicina para se tornar pesquisadora científica. O Instituto Butantan, que antes era sinônimo de diversão, um parque para ver cobras e empinar pipa, se tornou local de trabalho e segunda casa. O maior desejo de Cristiane, após passar por uma série de problemas de saúde, era ter a oportunidade de ajudar as pessoas – e foi o que ela fez: passou a pandemia fazendo mestrado no Butantan, pesquisando fatores que influenciam a gravidade da Covid-19 e contribuindo para a produção de conhecimento sobre a doença.

Foram suas experiências pessoais que a levaram a seguir esse caminho. Quando ainda atuava como gerente de RH, Cristiane precisou fazer uma cirurgia de hérnia de disco com urgência – na época, ela estava quase perdendo o movimento do lado direito do corpo. Os problemas afetaram não só a saúde física, mas também a mental. “No mesmo período, comecei a sentir dores de cabeça muito fortes, mas ninguém descobria o que era. Fiz ressonâncias, fui internada várias vezes e tinha remédio que não fazia mais efeito. Eu me sentia impotente; a dor foi aumentando, me enterrando”, conta ela, que hoje tem 39 anos.



Durante a graduação em Biomedicina, uma vaga de estágio no Laboratório de Dor e Sinalização do Butantan chamou a atenção. Cristiane foi selecionada e atuou como estagiária da pesquisadora científica Sonia Andrade. Aprendeu a trabalhar na bancada, ler e interpretar artigos científicos para usar como fonte de pesquisa, e entendeu pela primeira vez o que era um laboratório. Em 2020, já formada, ingressou no mestrado da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB), também orientada por Sonia, no Laboratório de Biofármacos – um importante avanço no sonho que começou a construir anos antes.

“Teve uma madrugada que cheguei ao hospital com muita dor, e a enfermeira me abraçou e disse ‘eu sei que vai ser uma noite difícil, mas vamos passar por ela juntas’. Ela cuidou de mim como se fosse uma mãe. Com ela, o que parecia impossível ficou mais fácil. Foi aí que eu decidi mudar de área – eu queria fazer algo pelas pessoas, como tantos profissionais da saúde fizeram por mim.”

Linha de frente

A trajetória de Cristiane na pesquisa começou durante um dos momentos mais desafiadores para a ciência e a saúde pública: a pandemia de Covid-19. Durante seu mestrado, entre março de 2020 e setembro de 2022, ela trabalhou com a equipe de Sonia Andrade para desvendar os fatores do organismo associados à gravidade da infecção pelo SARS-CoV-2.

“Nós analisamos amostras de plasma de pacientes que tiveram Covid-19, coletadas no Hospital de Taubaté, para avaliar as alterações metabólicas, lipídicas e hemostáticas. E percebemos uma correlação entre esses fatores e o prognóstico da doença”, explica a cientista. Esse conhecimento permite prever se a doença evoluirá para um quadro grave e ajuda a definir a melhor forma de tratamento. Os resultados finais da pesquisa serão publicados em 2023.


Encontrando caminhos

Cristiane nasceu em São Paulo, é casada, tem um filho de 13 anos e dois irmãos. Na infância, ela era apaixonada por esportes, mas seguir isso como profissão seria um grande desafio. “Minha família não tinha condições muito favoráveis, então eu não poderia viver disso. Fazer uma graduação e ter um diploma sempre foi o objetivo”, afirma. Ela começou a trabalhar cedo para auxiliar nos gastos de casa e atuou por 16 anos em uma instituição de ensino. Lá, chegou a assistir a aulas de diversos cursos, sempre que tinha oportunidade – ler e estudar eram suas outras paixões.

Escolher uma carreira não foi fácil. Cristiane passou por Administração e Turismo, até chegar a Recursos Humanos. Ela estava determinada a promover melhorias na qualidade de vida dos funcionários, após ter passado por uma situação difícil durante a gravidez com o RH da empresa onde trabalhava, que lhe passou informações equivocadas sobre o plano de saúde.

“Sair de uma carreira consolidada e começar uma nova, vendo pessoas com a metade da sua idade, é difícil. Mas eu sempre tive muito apoio da minha família. Meu filho dizia ‘mãe, você vai para a faculdade, depois para o Butantan, volta para casa, e ainda cuida de mim e do meu pai. Você faz tudo’. Ele é a pessoa que mais me dá força.”

Antes de começar o mestrado, a cientista diz que não imaginava a dimensão do Butantan e a quantidade de laboratórios e pesquisas diferentes que são conduzidas aqui. Para ela, trabalhar no instituto era uma fantasia que se tornou real. Hoje, ela traz o filho para todas as atividades educativas promovidas pelo Parque da Ciência, como a atividade Mão na cobra e outros bichos, com o objetivo de ensiná-lo sobre a importância da ciência. Com o mestrado recém-finalizado, Cristiane pretende ingressar no doutorado e dar continuidade à carreira acadêmica.

“Eu falo paro o meu filho: acho muito importante que você venha hoje aqui e aprenda tudo isso. Na minha época, nós vínhamos para cá para brincar, e todo mundo da minha geração conhecia o Butantan somente como parque ou um lugar para levar as cobras. Mas quase ninguém imagina tudo que é feito aqui para a saúde pública.”

 

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Comunicação Butantan